Entrevista com Arie Yaare, um dos sobreviventes do holocausto
Empresas do Vale fevereiro 11, 2019 Nenhum comentário
ENTREVISTA COM ARIE YAARI: SOBREVIVENTE DO HOLOCAUSTO E, EMPREENDEDOR APÓS 2ª GUERRA MUNDIAL
(*) Matéria realizada em dezembro/2010 – edição nº 31
Por: José Carlos Reis de Souza
Diretor, editor e jornalista da Revista Empresas do Vale – Negócios & Turismo.
A equipe da Revista Empresas do Vale – Negócios & Turismo, entrevistou o senhor Arie Yaari remanescente da 2ª Guerra Mundial e sobrevivente dos Campos de Concentrações da Alemanha nazista.
E.V. – Que acontecimentos fizeram com que você e sua família decidissem vir para o Brasil?
Arie Yaari – Depois que sai dos Campos de Concentração, fui para Israel e vivi por quase oito anos na grande miséria, trabalhei nas estradas e casei. Um dia minha esposa me falou: vamos para um país onde poderemos viver um pouco melhor, porque aqui em Israel é difícil. Acabei voltando para Alemanha e, certo dia, em um campo de refugiados, um repórter me disse que em algum lugar estavam dando vistos para o Brasil. Entrei em acordo com a minha esposa no seguinte: Vamos para o Brasil e depois para os Estados Unidos, porque aqui não vamos ficar. E foi assim que cheguei no Brasil.
E.V. – Como imigrante e refugiado de guerra, quem foi que estendeu a mão a você e a sua família no Brasil?
Arie Yaari – Na realidade, chegamos ao Brasil no ano de 1954 refugiados da 2ª Guerra Mundial: com esposa e dois filhos e, a comunidade Judaica de São Paulo nos acolheu, alugou e pagou um apartamento para nós por três meses. Não sabia falar e entender nada da língua portuguesa e da cultura brasileira, mas eu já tinha informações sobre o lugar para onde iríamos, que era o bairro do Bom Retiro, centro de São Paulo onde morava a maioria dos judeus. Eu falava cinco idiomas (alemão, polonês, russo, hebraico e inglês), mas de nada adiantava. Chegando ao Bom retiro, encontrei um judeu e contei a ele a minha situação. Foi então que eu recebi a primeira informação: “Todos os patrícios refugiados da guerra e que chegam no Bom Retiro não tem dinheiro, vem com uma mão na frente e outra a trás”. O judeu me escutou e disse: você tem que começar como mascate; vou levá-lo na loja de um patrício e, ele te dará em consignação algumas roupas para ir a algum bairro para vender. E através do conselho de um conhecido, me mudei com minha família para Santo André. Ele dizia que quanto mais longe da capital, eu teria mais facilidade de vender, fazendo como todos os ambulantes, chamados de “turcos” sem retrucar, indo de rua em rua vendendo suas mercadorias. O mais interessante foi quando, sem saber falar português, após comprar algumas camisas e calças, fui bater palma na primeira casa. Quando a mulher apareceu, eu falei: dona Maria, calças e camisas; e ela perguntou o preço. Eu escrevi em um papel, e no primeiro dia vendi duas peças e me animei muito. Encurtando a história, eu fiquei nesta vida, vendendo roupas, durante quatro anos.
E.V. – Você gostaria de contar algo que marcou a sua vida depois que saiu dos Campos de Concentração nazistas da 2ª Guerra Mundial?
Arie Yaari – Gostaria e é muito importante. Quando cheguei de navio no Brasil no Porto de Santos – SP, havia 18 ônibus que nos levariam para São Paulo. E o que me marcou muito foi a ação de um trabalhador das docas. Era hora do almoço, ele chegou com a sua marmita perto de mim e me ofereceu a sua refeição. Essa atitude acabou comigo. Eu pensei: eu ou ele é louco. Eu viajei o mundo inteiro e ninguém me dava comida de graça, a não ser em troca de algum serviço. Entenda agora, nunca tive a oportunidade de receber alimento de graça, e chega um operário que estava sentado no chão e oferece a sua refeição para mim. Foi um choque. Na realidade, a minha intenção era ficar um tempo no Brasil e depois ir para os Estados Unidos, mas depois dessa atitude do operário, eu disse a minha esposa: acho que vamos ficar no Brasil, estão dando comida de graça.
E.V. – Todos os judeus, após o término da 2ª Guerra Mundial, recebem algum auxilio do governo da Alemanha?
Arie Yaari – Eu cheguei ao Brasil em 1954 e trabalhei sem auxilio do governo alemão. No ano de 1957, todos os judeus refugiados da guerra receberam uma indenização atrasada. Desde 1945, existe uma lei onde todos que passaram por Campos de Concentração têm o direito a uma aposentadoria de 500 dólares, nada excepcional perto do que todos passaram e perderam em patrimônios, mas já dava para viver. Até hoje eu continuo recebendo em torno de 800 dólares.
E.V. – A partir deste montante vindo da Alemanha, você passou a planejar o seu futuro no Brasil?
Arie Yaari – Já na primeira remessa da indenização atrasada recebida, eu pensei: com este dinheiro, vou começar a construir. Durante a minha permanência em Israel eu trabalhei muito em construção civil, principalmente como encanador, e já construía. Em São Paulo, trabalhei como corretor de imóveis e sabia que dava dinheiro. Comprei o primeiro terreno em Santo André, construí a minha primeira casa e logo vendi. Em seguida, mudei para São Paulo e fui à procura do proprietário da corretora Manoel Sanches, em que eu havia trabalhado. Conversamos, e ele na época me disse: eu tenho dinheiro e sei que você tem pouco, mas vou fazer uma proposta, você não quer juntamente comigo construir casas?
Concordei e no mesmo instante ele colocou em minhas mãos 40.000 (dinheiro correspondente da época). Compramos o terreno e o material e começamos a construir. E com ele permaneci por 16 anos construindo casas em sociedade na cidade de São Paulo, foram quase 200 casas. Depois destes longos anos eu já tinha um capital, comparado com o dinheiro de hoje, em torno de R$ 200.000, e comecei a comprar os terrenos, construir e passar para a Corretora do Manoel Sanches vender. Assim fui começando a minha vida de empreendedor, e até nos dias de hoje continuo a me dedicar a construir e vender. É o prazer que sinto em continuar a trabalhar e frutificar, deixando um grande legado aos meus filhos e netos.
E.V. – Como foi que você chegou a Campos do Jordão?
Arie Yaari – Como eu já estava bem de situação, um dia resolvi ir passear em Campos do Jordão, que é um lugar montanhoso e mais frio. Chegando lá, percebi que tudo aquilo era um paraíso. Minha esposa me disse: porque você não começa a construir em Campos do Jordão? Como eu tinha algumas casas pendentes em São Paulo, tinha que terminar. Mas comecei a conhecer os corretores de imóveis, para poder comprar terrenos para construir. E durante um destes passeios a Campos do Jordão, apareceu um corretor e me ofereceu uma área de 5.200 m² perto do Capivari no valor de 5.800 (dinheiro da época), onde hoje está o “Hotel Leão da Montanha”. Nessa ocasião era muito dinheiro, então fiz a minha proposta: quatro prestações semestrais, e voltei para São Paulo. Uma semana depois o corretor me falou que o proprietário aceitava, mais queria que as parcelas fossem corrigidas, e eu de imediato respondi; se ele quiser tem que ser sem correção. Finalmente ele aceitou e eu tive que comprar, mesmo sendo difícil para eu pagar. Após a compra, continuei em São Paulo trabalhando na construção e vendi uma casa no bairro de Indianópolis por um bom preço. Então resolvi começar a mexer no terreno de Campos de Jordão. Contratei um trator e fiquei durante duas semanas para construir três platôs. Voltei para São Paulo e continuei construído casas. Vendi duas casas, uma delas muito grande, com piscina, e a pessoa que comprou me pagou à vista. Em meados de agosto de 1978, com 18 operários, construímos o Hotel Leão da Montanha, que ficou pronto em 13 meses. Inaugurei o Hotel com 28 apartamentos no dia 15/11/79 (feriado) e consegui retorno. Eu, além de trabalhador, sou uma pessoa de sorte. No final do mesmo ano, consegui lotar o hotel. Oito anos depois, já estava com a situação financeira estável, então resolvi comprar um terreno ao lado, com 1.800 m², e construí mais 15 apartamentos e um salão. Seis anos depois construí mais 21 apartamentos, totalizando hoje 64 apartamentos, diversos salões para convenções, piscina, sauna, estacionamento etc. No início eu vim morar no próprio hotel e fazia de tudo: manutenção, recepção, café da manhã etc.
E.V. – O Hotel Veredas também é de sua propriedade?
Arie Yaari – Não, foi uma aquisição de meu filho Josef. Eu apenas fiz a planta, dei para o engenheiro assinar e construí.
E.V. – Para finalizar, o que mais te dá prazer nesta vida de empreendedor de sucesso?
Arie Yaari – O que me dá prazer é continuar a trabalhar e frutificar, deixar um grande legado aos meus filhos e netos. E ser um exemplo de pessoa que viveu na pele a 2ª guerra Mundial. Tenho orgulho do que sou e que faço.
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