ENTREVISTA COM CARLOS ALBERTO LIBÂNIO CHRISTO – FREI BETTO

Empresas do Vale julho 16, 2019 Nenhum comentário

ENTREVISTA COM CARLOS ALBERTO LIBÂNIO CHRISTO – FREI BETTO

ENTREVISTA COM CARLOS ALBERTO LIBÂNIO CHRISTO – FREI BETTO
Matéria realizada na edição 47, periodicidade: agosto / setembro / 2012
Pelo: jornalista José Carlos Reis de Souza
Diretor, editor e jornalista da Revista Empresas do Vale – Negócios & Turismo. 

Frei Betto, escritor, jornalista e  polemico  recebeu nossa equipe para uma entrevista, no qual ficamos surpresos pela sua facilidade de se expressar em relação a todas as perguntas, sem ao menos titubiar nas respostas.
Perfil
Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, nascido no dia 25/08/1944, em Belo Horizonte (MG), religioso dominicano, teólogo e escritor. É filho do jornalista Antônio Carlos Vieira Christo e da escritora e culinarista Maria Stella Libanio Christo, autora do clássico “Fogão de Lenha – 300 anos de cozinha mineira” (Garamond). Frei Betto foi Professou na Ordem Dominicana em São Paulo, adepto da Teologia da Libertação. É militante de movimentos pastorais e sociais, foi assessor especial do presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva entre 2003 e 2004. Foi coordenador de Mobilização Social do programa Fome Zero. Esteve preso por duas vezes sob a ditadura militar: em 1964, por 15 dias; e entre 1969-1973. Após cumprir quatro anos de prisão, teve sua sentença reduzida pelo STF para dois anos. Sua experiência na prisão está relatada nos livros “Cartas da Prisão” (Agir), “Dário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco) e Batismo de Sangue (Rocco). Premiado com o Jabuti de 1983, traduzido na França e na Itália, Batismo de Sangue descreve os bastidores do regime militar, a participação dos frades dominicanos na resistência à ditadura, a morte de Carlos Marighella e as torturas sofridas por Frei Tito. Baseado no livro, o diretor mineiro Helvécio Ratton produziu o filme Batismo de Sangue, lançado em 2007. Frei Betto recebeu vários prêmios por sua atuação em prol dos direitos humanos e a favor dos movimentos populares. Assessorou vários governos socialistas, em especial Cuba, nas relações Igreja Católica-Estado.
ENTREVISTA
E.V. – Em primeiro lugar gostaríamos de saber como foi a sua trajetória estudantil, do jardim de infância à universidade?
Frei Betto – Essa adolescência eu descrevo detalhadamente em um livro publicado pela Ática chamada “Alfabeto – Autobiografia Escolar”. Tive uma adolescência em Belo Horizonte muito feliz, e uma família de oito irmãos. Fui aquela criança que brincou na rua, um adolescente de turma de bairro, de banda, de frequentar cinema. Uma adolescência extremamente sadia e produtiva, porque com treze anos ingressei na Juventude Estudantil Católica. Isso me abriu os olhos para uma visão progressista da fé cristã, quanto para o compromisso com a justiça.
V. – Quando foi que você entrou para a política?
Frei Betto – Na verdade, eu diria que todos nós de alguma forma fazemos política, ou por participação ou por omissão. Mas eu iniciei a minha sensibilidade política, primeiro porque meu pai era um ser ontologicamente político, embora nunca tenha exercido mandato, mas ele só falava em política, não perdia o jornal, discussões etc. Foi um dos fundadores de um partido político, a UDN – União Democrática Nacional, que não existe mais, era um partido conservador. Depois meu pai evolui e foi um cara progressista na velhice. Mas eu adquiri na ação católica, na AJC eu adquiri essa sensibilidade política mais progressista, isso com treze anos. Com 17 anos eu era primeiro vice-presidente da União Municipal dos Estudantes Secundarista de Belo Horizonte, e ai foi indo. Nunca militei ou me filiei em um partido político.
V – Como você conciliava a parte religiosa com o movimento político?
Frei Betto – No meu caso, sou muito simples e cristão: todo cristão, queira ou não é discípulo de um prisioneiro político, Jesus não morreu nem de hepatite na cama, nem de desastre de camelo numa esquina de Jerusalém, morreu condenado à pena de morte por dois poderes políticos. A questão é outra, é o desafio pro cristão hoje cuja vivencia da fé não provoca nenhum questionamento. Então, será que ele é realmente discípulo de Jesus.
V. – Outro detalhe importante em sua vida, na época da ditadura você acabou sendo preso por duas vezes e foi torturado, você poderia contar?
Frei Betto – Fui preso duas vez, a primeira em 1964 e permaneci por quinze dias no xilindró, a segunda fui encarcerado por quatro anos durante o período de  1969 a 1973. A primeira vez, porque a ação católica era muito visada pela ditadura e, eu fui confundido com o Betinho, da “Campanha da Fome Contra a Miséria”, que era líder de um movimento de esquerda chamado “Ação Popular”, então fui preso e torturado em função disso. A segunda vez porque eu apoiava a guerrilha urbana, não peguei em armas, mas dava apoio a aqueles que o fizeram.
V. – Como foi resistir ao cárcere e transformá-lo em um ambiente de solidariedade e humanização?
Frei Betto – Foi nossa maneira de resistir, pois a prisão destrói ou engrandece o ser humano. Quem se deixa impressionar pela imaginação e conta passar o tempo sofre mais do que aqueles que fazem do cárcere uma oficina de estudos, reflexão, artesanato e, no nosso caso, oração.
V. – O cinema nacional tem abordado com frequência o período da ditadura no Brasil e, o governo lançou um relatório no qual responsabiliza as Forças Armadas pela morte e o desaparecimento de centenas de pessoas. Qual a importância desta passagem da ditadura, ser lembrado pela população brasileira?
Frei Betto – Quando se faz memória de tempos de atrocidades, evita-se que se repitam. No Brasil, as novas gerações, têm o direito de conhecer a verdadeira história do período da ditadura militar (1964-1985) para que jamais ela retorne. É preciso que o governo abra os arquivos das Forças Armadas, como ocorreu no Chile, na Argentina e no Uruguai. É o que a arte brasileira tem feito, sobretudo através do cinema. É importante que, na universidade, se pesquise sobre aquele período, considerando que ainda estão vivos muitos sobreviventes da resistência ao regime militar. Procurei dar a minha contribuição com os livros Cartas da prisão (1971), Das Catacumbas (1969-1971), O Dia de Ângelo (1987) e Batismo de Sangue.  
V. – O último grande ato político realizado pelos jovens foi à mobilização nas ruas pelo impeachment de Fernando Collor de Mello. O senhor acha que os jovens estão menos politizados hoje?
Frei Betto – Sim, o sistema neoliberal trata de evitar que os jovens se organizem e mobilizem. Ele quer o jovem preocupado em mudar de cabelo ou roupa, não de sociedade ou sistema. É preciso valorizar as organizações juvenis, sobretudo grêmios escolares, associações, ONGs etc.
V. – Como você vê a Bolsa Família?
Frei Betto – É muito positiva, ela tem tirado muitas famílias da miséria, mas o “Fome Zero” era melhor, isso eu descrevo em detalhes no meu livro “Calendário do Poder”, que é o diário que eu fiz dos dois anos que passei como assessor do presidente Lula no Palácio do Planalto mostrando que o “Fome Zero” tinha um caráter emancipatório. O “Bolsa Família” tem um caráter compensatório, até hoje, o próprio governo não descobriu a porta de saída do “Bolsa Família”. A família que ingressa, não tem como sair, se não volta para a miséria e esse é o grande nó do “Bolsa Família”. Embora repito,  ele seja um programa altamente positivo.
V. – Porém, você fez criticas a “Bolsa Família” quando saiu do governo?
Frei Betto – Sim, no livro “Calendário do Poder”, em detalhes eu conto essas criticas e conversas.
V. – Você não acha que o incentivo da “Bolsa Família” acaba deixando o cidadão acomodado?
Frei Betto – Não, de jeito nenhum, pelo contrário, as pessoas passam a ter um patamar de vida que eles querem manter. Como o benefício da “Bolsa Família” não é suficiente, ela acaba tendo que buscar, geralmente  trabalhos informais, se não ela perde o benefício. O fato real é que 20 milhões de famílias saíram da miséria absoluta por força da “Bolsa Família”, então isso é muito importante.
V. – Atualmente você atua em pró da população carente?
Frei Betto – Na verdade, toda a minha trajetória de vida foi em função de movimentos pastorais e populares. Continuo assessorando movimentos, escrevo os meus livros e faço muitas palestras pelo Brasil e em outros países, essa é a minha atividade hoje.
V. – Você já foi diversas vezes premiado, você poderia falar de alguns de grande importância na sua vida?
Frei Betto – Bem, eu ganhei prêmios de direitos humanos na Itália e Áustria, prêmios literários importantes como o Jabuti. Fui eleito o intelectual do ano no Brasil, prêmio mais recente foi o prêmio Alba de Literatura, que é um prêmio Latino Americano, enfim. Mas, esses prêmios, eu acho que são reconhecimentos não propriamente do que eu faço, mas dos grupos dos quais eu estou ligado. Ninguém é resultado de si mesmo, a gente é sempre resultado de uma história comunitária.
V. – Você é considerado uma pessoa intelectual, você concorda?
Frei Betto – Não, achei muito estranho quando fui eleito o intelectual do ano, porque eu me considero um sujeito pragmático, de iniciativa. Pelo menos naquela visão de intelectual, graças a Deus eu não me enquadro. Sempre fui um cara ligado ao movimento social do que a academia.
V. – O que você poderia dizer dos dois governos, Lula e Dilma?
Frei Betto – Os melhores de nossa história republicana, eles são muito melhores daquilo dos que antecedem?
V. – Para finalizar qual é a sua posição em relação a postura do governo de baixar os juros, poderá no futuro acontecer o que ocorreu nos Estados Unidos, gastar demais pela facilidade de empréstimos e depois criar uma bolha de inadimplência?
Frei Betto – De jeito nenhum, pelo contrário, enfim alguma coisa aconteceu a favor dos pequenos e contra os grandes. Os banqueiros não ficaram satisfeitos e, claro que reduziram porque se não vão perder clientela. Parabéns, os países mais desenvolvidos do mundo, são países que tem os juros muito baixos. Baixar os juros é democratizar o dinheiro.

 

Categorias : Matéria
Tags :