ENTREVISTA COM ÉMERSON ISER BEM, CAMPEÃO DA CORRIDA DE SÃO SILVESTRE DE 1997
Empresas do Vale julho 16, 2019 Nenhum comentário
ENTREVISTA COM ÉMERSON ISER BEM, CAMPEÃO DA CORRIDA DE SÃO SILVESTRE DE 1997
Matéria realizada na edição nº 48, periodicidade: outubro / novembro / 2012
Pelo: jornalista José Carlos Reis de Souza
Diretor, editor e jornalista da Revista Empresas do Vale – Negócios & Turismo.
A equipe da Revista Empresas do Vale-Negócios & Turismo foi recebida gentilmente, pelo atleta Émerson Iser Bem, em sua residência, onde nos foi proporcionado uma grande entrevista, sobre a sua carreira como atleta.
Em 1997, o paranaense Émerson Iser Bem, natural de Santo Antônio do Sudoeste (PR), atleta e consultor, entrou para a história ao participar da Corrida de São Silvestre em São Paulo. Tradicional corrida disputada sempre no dia 31 de Dezembro de cada ano, quando venceu a prova em (44min40s) ultrapassando o favorito e recordista Paul Tergat do Quênia, na subida da Avenida Brigadeiro Luiz Antônio. O resultado do brasileiro foi grandioso, já que o africano vinha de resultados expressivos no exterior e era o maior nome das provas de fundo do mundo. Emerson Iser Bem escreveu o seu nome na história do atletismo brasileiro ao vencer provas importantes como: o São Silvestre de 1997, o bicampeonato brasileiro de cross-country (1998/99) e o GP de Cross-Country de Portugal (1999). E a vitória mudou a sua vida, tendo o reconhecimento junto aos aficionados pelo atletismo e abriu muitas portas. Émerson Iser Bem não é conhecido mundialmente como Paul Tergat, pois, só venceu uma vez a São Silvestre, em 1997. Mas por esse feito, é lembrado como o brasileiro que bateu o queniano, “papa-títulos”. Outro detalhe importante foi detentor do recorde brasileiro juvenil dos 5000 metros, com o tempo de 13min59seg. A Corrida Internacional de São Silvestre é a mais famosa corrida de rua no Brasil. Realizada anualmente na cidade de São Paulo, no dia 31 de dezembro, dia de São Silvestre (data de morte do Papa da Igreja Católica e canonizado neste dia, anos depois, no quarto século da “Era Cristã”), de onde vem o seu nome. A corrida possui um percurso de 15 km, menos da metade de uma maratona, mas com quase todas as dificuldades, devido a fatores como o intenso calor de verão brasileiro e obstáculos geográficos a serem superados pelos participantes. A desidratação, insolação, entre outros, não são fatos raros, tanto entre os profissionais como os amadores, e sim, na grande maioria dos participantes.
ENTREVISTA
V. – Começamos a nossa entrevista perguntando como foi a sua infância?
Emerson – É interessante, nasci na cidade de Santo Antônio do Sudoeste, no Paraná, fronteira do Brasil com a Argentina. Minha casa ficava há algumas centenas de metros do rio que faz a divisa com os dois países. Comecei cedo a trabalhar na roça de milho e lavoura. Também separava os bezerros das vacas para tirar o leite e vender aos vizinhos e casas de comércio da cidade. Na época eu entregava leite de bicicleta, quando chovia, a cavalo. Talvez até por isso começasse fácil no esporte, pois fazia muita atividade física desde pequeno. Nesse mesmo período, jogava futebol na posição de goleiro, porque era ruinzinho, e vôlei na escola.
V. – O que levou você que a optar pelo atletismo?
Emerson – Aos 13 anos sofri um acidente quando estava terminando de entregar o leite: estava selando um cavalo e mexeram com ele, com isso o cavalo deu um pinote, e meu dedo foi estrangulado numa corda do arreio. Perdi uma falange do polegar. Mesmo depois de cicatrizado, doía muito para bater na bola de vôlei com a mão. Então precisei largar o vôlei. Foi neste momento que eu comecei a olhar a corrida como alternativa, porque sempre gostei de fazer atividade esportiva. Então, dei início no atletismo devido a minha infância de sito; de trabalhar na roça; pescar; correr e pular o rio, todas essas possibilidades que a roça proporcionou na infância. Eu não teria ido para o atletismo, caso não houvesse esse acidente com o cavalo.
V. – Qual foi o caminho para você fazer parte do atletismo?
Emerson – Quando ocorreu o acidente com o meu dedo polegar fui obrigado a parar de jogar vôlei e futebol. Procurei o professor da escola, e disse a ele que queria correr. No início era tudo muito novo, não tinha a dimensão do que era ser um atleta, e do que poderia a vir acontecer. Logo que comecei a correr fui orientado por um professor da escola, e o professor começou a me levar nas pequenas corridas que tinham na região, e achava o máximo treinar para poder ir às cidades vizinhas, porque, o meu mundo era ali, da fazenda para a escola e vice-versa. Demorou, só quando passeia a ser juvenil e vim a ser Campeão Brasileiro, é que passei a visualizar isso no âmbito nacional e entender em que mundo eu estava.
V. – E como foi sua primeira corrida?
Emerson – Participei da minha primeira corrida aos 12 anos. Corri uns dois ou três quilômetros acompanhando os primeiros colocados da prova. Aí, cansei e sentei na calçada, exausto. Fiquei uma semana com o corpo dolorido. Comecei então a treinar sério com 13 anos.
V. – Qual foi o seu primeiro titulo como campeão de atletismo?
Emerson – Aos 14 anos fui Campeão Paranaense, e logo em seguida recebi um convite para treinar em Londrina, pois havia um projeto do governo do Paraná que subsidiava atletas. Fui indicado pelo presidente da Federação Paranaense de Atletismo para o projeto. Neste projeto, eu ganhava meio salário mínimo e pensão completa. Acabei saindo de casa aos 15 anos e fui para Londrina treinar em uma equipe local pelo projeto do governo por um ano e meio. Depois vim para Cosmópolis no Estado de São Paulo, onde fiquei quatro anos, depois, Piracicaba. Sempre pela antiga equipe funilense, que representei por mais de 12 anos.
V. – Daí para frente veio as suas outras vitórias?
Emerson – Sim. Fui Tricampeão Brasileiro Juvenil com 16, 17 e 18 anos. Bati o recorde brasileiro juvenil dos 5.000 metros, que permanece até hoje, com o tempo de 13’59’’.
V. – Quais foram às vitórias mais importantes para você no atletismo?
Emerson – A principal vitória foi o GP de Portugal de Cross Country, no Algarve, em fevereiro de 1997. Naquela prova, ganhei do queniano James Kariuki, que foi Campeão Mundial de Cross Country. Naquele mesmo ano, venci a São Silvestre de 1997 com o tempo de 44min40s, sob uma temperatura de 33 graus, ultrapassando o queniano Paul Tergat, que já havia vencido a São Silvestre em 1995/1996/1998/1999 e 2000. Venci a Meia Maratona de Buenos Aires em 1996, a Meia Maratona de São Paulo em 1997, a 23ª Corrida de São Silveira em 1998 e, em duas ocasiões, venci o primeiro trecho dos (10 km.) da Maratona de Revezamento de Chiba no Japão, entregando o revezamento em primeiro lugar. “No primeiro ano, foi onde eu fiz minha melhor marca de rua nos 10 km com 27’59”. No ano seguinte, fiz o mesmo trecho em 28’08’’.
E. V. – Como foi para você a repercussão da vitória da São Silvestre, em 1997?
Emerson – Quando saí do anonimato e virei estrela da noite para o dia. No atletismo não tínhamos estrutura para isso. Naquele ano eu corri, sendo patrocinado pela ASICS e BMF. Eu havia entrado para a equipe da BMF apenas 3 meses antes. Com a vitória, ganhei 1 quilo de ouro da BMF e um carro. O prêmio total que eu recebi da São Silvestre foi de R$ 33.000,00. Hoje a BMF é a dona da equipe e mudou muito a forma e sabem como tratar melhor este momento de evidência do atleta, não permitindo que ele corra quando suas condições não são 100%. Veja o Marílson Gomes dos Santos, é bem diferente da minha época, por isso não correu à última São Silvestre. Outro aspecto que mudou muito é a atenção médica dispensada atualmente a esses atletas, pois, quando me machucava, nunca era conduzido a um médico especialista, mas me davam uma guia de um plano de saúde para que, apenas com a carteirinha eu tentasse a sorte. Isso também mudou.
V. – Quais os países que você já correu?
Emerson – Tive a felicidade através do esporte, conhecer diversos lugares: Austrália, Nova Zelândia, Coréia, Japão, Reino Unido, Portugal, França, Espanha, Holanda, Itália, Suíça, Alemanha, Bélgica, Irlanda, Argentina, Chile, Peru, Colômbia etc. Na Inglaterra em 1995 participei do Campeonato Mundial Cross Country, em Durham.
V. – Desses países, qual deles você mais gostou de correr?
Emerson – Sem dúvida nenhuma, gostei de correr no Japão, participando cinco vezes e da Coréia, onde corri em 1992.
V. – E onde você menos gostou?
Emerson – Da Austrália: onde peguei uma virose e passei mal. Tenho más recordações.
V. – Quais desses países você passou alguma dificuldade?
Emerson – Eu passei duas grandes dificuldades na minha vida, uma no Cross em Belfast na Irlanda: estava muito firo e muita neve, foi terrível. A outra foi uma situação muito complicada: logo no começo, viajava sozinho e tinha pouco mais de 20 anos, e não fazia muito tempo que eu tinha saído da fazenda e estava indo para a Europa. Havia comprado uma passagem mais barata de Sevilha para Bilbao (ida e volta), pensando que voltaria no mesmo dia, e na realidade, teria que permanecer quatro dias no destino. Na hora de voltar fui até uma cidade chamada Amorebieta-Echano, que fica próximo a Bilbao, no norte da Espanha. Lá, os organizadores chegaram ao hotel e perguntaram a todos: “quem quer ir para o aeroporto agora”, era um domingo à tarde, eu respondi que gostaria, iria para Sevilha. Quando cheguei ao aeroporto, não foi permitido trocar a passagem, e não podia voltar para o hotel, era longe, não tinha mais reserva e estava sem dinheiro, porque essas provas que a gente competia quem nos pagava eram os empresários que agenciam os atletas e, eles iam me encontrar na competição seguinte. Resolvi dormir no aeroporto, só que, com os problemas com terrorismos, os soldados do exército com metralhadoras apontadas retiraram-me do aeroporto, e passei a noite na rua e um muito frio. No dia seguinte embarquei para Sevilha para correr a prova na semana seguinte.
V. – Como você vê o crescimento atual das corridas de rua e de atletas amadores?
Emerson – Muitos estão descobrindo o prazer de correr pela intensidade, para relaxamento ou por prazer. O país só ganha com a massificação das corridas. É mil vezes mais importante ter esse crescimento de atletas amadores nas corridas, do que formarmos mais um atleta de ponta, campeão. Isso também ajuda muito o governo a economizar com remédios de hipertensão e doenças cardíacas. A consciência da importância de uma boa caminhada ajuda muito. Mas o governo precisa incentivar o esporte juntamente com o estudo.
V. – Explique o que é disputar uma corrida de Cross Country?
Emerson – O Cross Country ou “corrida a corta-mato”, consiste em uma corrida ao ar livre em terreno acidentado com vários obstáculos naturais, tais como: subidas com diferentes inclinações; descidas; troncos de árvores; pequenos riachos; grama e terra batida. Em Portugal, têm uma pista exclusiva para Cross que permanece o ano inteiro. Em Sevilha o circuito é disputado nas ruínas da cidade Itálica, construída pelos romanos na ocasião da invasão.
V. – O que se faz necessário para que uma pessoa seja um atleta?
Emerson – O atleta de competição é outro caminho, hoje as corridas de rua têm milhares de pessoas participando, e no Brasil não é diferente de outros lugares no mundo nesse sentido. Essa transformação e fenômeno, que podemos chamar de social esportivo, são as corridas de rua. Um exemplo foi à última corrida “General Salgado” em Taubaté, com 3000 mil inscritos. A pessoa que está envolvida como atleta profissional, tem que começar a treinar a partir dos 14 anos, ter orientação técnica e tática, desenvolver certas capacidades e habilidades. Hoje se preserva bem mais o atleta. Nesses 20 anos, nós ganhamos tecnologia de calçados; materiais; conhecimento sobre métodos de treinamento; nutrição esportiva e psicologia. São informações que evoluíram bastante. Mas os garotos que hoje querem começar têm que procurar os centros esportivos, em Pindamonhangaba, o “Centro Esportivo João do Pulo” ou em Taubaté o “Centro Esportivo Zito”, onde os interessados vão encontrar professores capacitados que evoluam os atletas nesse sentido.
V. – Naquele exato momento em que você conquistou a São Silvestre, o que lhe veio à cabeça?
Emerson – Bem, eu tinha uma forma de abordar a minha cabeça, que foi o meu ponto forte, embora tenha conquistado muita coisa, não tenho uma genética como os africanos. Mas sempre acreditei na minha força mental de suportar dificuldades, e foi o que aconteceu naquele momento difícil da corrida. Durante a prova, procurava traçar estratégia de comportamento e pensamento para poder superar tudo aquilo, porque a sua cabeça é que manda você parar. Naquele ano, a São Silvestre estava muito forte de atletas e temperatura alta, posicionei-me em chegar entre os dez. Tanto é, fui o único brasileiro a subir no pódio. O Wanderley foi o 6º colocado e, entre os dez, estava o Eduardo Nascimento. Na medida em que a prova ia passando, fui restabelecendo as metas. Em certo momento era 6º colocado, depois estava na 5º colocação e, no final, na subida da Av. Brigadeiro Luiz Antônio, ficou eu e o Paul Tergat. Nesse momento, quem conhece o Paul Tergat, já sabia do potencial e das conquistas que ele tinha conseguido ganhar naquele ano, eu pensei, ele vai ganhar, mais quero sair na foto da chegada. Também tinha outra coisa, eu pensava: vou fazer o meu melhor hoje, porque não sei, se no ano que vem vou ter esta oportunidade de novo, que é única. Muitas pessoas falam de sorte, para mim, sorte é a junção de dois fatores: a oportunidade e a preparação para a oportunidade. Eu estava muito bem preparado e tinha treinado demais, tive momentos bons, mas aquele foi o melhor. A oportunidade foi: talvez o Paul Targt não estivesse em um dia iluminado, coisa que acontece uma a cada cem vezes. Essas duas coisas se sobpuseram e eu tive sorte. Quando entrei na Av. Paulista, eu pensei, não vou guardar energia, vou dar o máximo para fazer uma boa chegada. No final da Av. Brigadeiro, começo da Av. Paulista, as pessoas estavam escutando nos rádios ou assistindo nas TVs, e sabiam que tinha um brasileiro disputando e, gritavam não o meu nome, que é difícil de pronunciar e sim Brasil. Então, naquele momento, não me sentia só o Emerson e sim alguém que estava representado o Brasil na corrida de rua mais importante que nós temos. Hoje, após ter estudado, a descarga de adrenalina foi o que me deu tanta força para chegar tão rápido. Porque, se fosse a outro lugar do mundo, outra corrida, onde as pessoas não estivessem gritando Brasil, eu não sei se conseguiria ter tanta força. Porque, no final da prova você chega extenuado, pois, já tínhamos corrido 14 km e 700 m. Acredito que consegui esse feito graças a essa força que o público foi passando gritando Brasil.
V. – O que o atletismo lhe deu de positivo na sua vida?
Emerson – Para minha pessoa, transformou totalmente a minha vida, quando volto para o Paraná para visitar os meus pais, vejo os meus amigos e os rumos que foram traçados. Sou de uma família humilde, meus primos que não conseguiram estudar, muitos estão na roça trabalhando. Para mim, começa da origem uma transformação. Não somente eu consegui estudar e me formar, meu irmão veio na minha esteira morar comigo, estudou, formou-se em direito e trabalha como advogado em Londrina. Consegui tudo isso graças ao esporte, ele também foi atleta, mas não teve expressão. Veja como isso se expande, a casa em que meus pais moram, foi mais uma aquisição minha, porque eles não teriam condições de construir. E para mim, foi tudo na minha vida, conheci a minha esposa no local onde eu treinava, casei e veio meus filhos. Fiz pós-graduação na Faculdade de Cruzeiro, na área de Educação Física e hoje trabalho na área de esporte. Gosto muito de falar, que ter vencido a São Silvestre, não garante que você possa ser uma pessoa que sabe tudo, não garante nada. Hoje não sou mais atleta, mais ainda continuo envolvido, acumulando experiência de casos que a gente vai vendo e de situação que vamos estudando. Então, o esporte trouxe tudo para mim.
V. – Para finalizar: atualmente você trabalha ajudando os futuros atletas?
Emerson – Trabalho em Pindamonhangaba na SEJELP – Sec. da Juventude, Esporte e Lazer, como coordenador de atletismo. Temos hoje 80 atletas bolsistas cadastrados e em torno de 180 atletas competindo. Sou responsável pelo treinamento de atletas de meio fundo e fundo. A equipe de longa distância eu também treino. Ainda trabalho na área de desenvolvimento social, prestando serviço através de três projetos para a TENARIS CONFAB, sendo que um deles, “Atletismo na Escola”, com crianças na faixa de 10 a 11 anos, em 10 escolas, em bairros que necessitam de desenvolvimento. Além disso, tenho uma assessoria esportiva, onde treinamos amadores, pessoas que querem começar a caminhar, correr e fazer atividade física, são três treinos por semana e um deles no sábado pela manhã em uma fazenda com estrada de terra. Para cada pessoa, é feito uma planilha individual para caminhada, e dependendo da evolução o aluno começa a intercalar caminhada com trechos de corrida, até chegar ao nível de condicionamento em que ele consegue fazer só a corrida.
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