ENTREVISTA EXCLUSIVA COM ARCEBISPO EMÉRITO DE APARECIDA DOM RAYMUNDO DAMASCENO ASSIS
Empresas do Vale janeiro 24, 2019 Nenhum comentário
(*) Matéria exibida na edição nº 18 – periodicidade: outubro novembro/2007
Por: José Carlos Reis de Souza
Diretor, editor e jornalista da Revista Empresas do Vale – Negócios & Turismo
Estivemos na cidade de Aparecida, em especial, na residência de Dom Raymundo Damasceno Assis, Arcebispo emérito de Aparecida, para uma entrevista concedida à Revista Empresas do Vale – Negócios & Turismo
E.V. – Qual a sua função no Santuário de Aparecida?
R.D. – Como Arcebispo de Aparecida sou pastor do povo, que foi confiado aos meus cuidados pastorais pelo Papa João Paulo II, que me nomeou e me transferiu de Brasília para Aparecida, no dia 28/01/04, e empossado como pastor desta igreja no dia 25/03/04, onde permaneço confirmado pelo Papa Bento XVI. Sinto-me pastor, empenhado e solidário em servi-lo da melhor maneira possível dentro daquilo que me cabe, atendendo às necessidades espirituais e, sobretudo, proclamando a palavra de Deus, santificando pelos sacramentos e buscando fazer o dia a dia do meu trabalho um serviço a esse povo, sempre em colaboração com os padres, diáconos e agentes pastorais da minha arquidiocese, além dos religiosos (as) e todas as pessoas de boa vontade que, de uma forma ou de outra, colaboram comigo junto a este ministério e que dão ao âmbito propriamente eclesial o seu testemunho cristão e de fé na sua vida social.
E.V. – Com a visita do Papa Bento XVI ao Santuário de Aparecida, o que ficou de positivo aos católicos brasileiros?
R.D. – A visita de sua Santidade foi positiva, em primeiro lugar uma nova imagem em relação à pessoa do Papa, que foi certamente construída a partir de sua presença em São Paulo e Aparecida. A imagem de sua santidade, muitas vezes transmitida para nós, era a de um homem muito severo, rigoroso, austero e distante do povo. Com a sua visita, vimos exatamente o contrário: uma pessoa próxima do povo, simples, humilde, bondosa, de tal modo que o primeiro fruto foi a mudança de imagem com relação à pessoa do Papa, e uma mudança no sentido positivo evidentemente. O segundo fruto, eu viria na experiência que a visita do Papa proporcionou aos católicos do Brasil e, de um modo particular, aos católicos de Aparecida e aos romeiros que vieram por ocasião da visita, na experiência de uma igreja universal que tem um sinal visível de sua unidade na pessoa do Papa, que é o sucessor de Pedro. Portanto, essa experiência de uma igreja que não está encerrada, fechada, digamos em Aparecida, ou seja, em qualquer outro lugar do mundo, e sim uma igreja aberta e que tem uma missão universal, onde cada um se sente irmão um do outro, em todo o mundo. O terceiro fruto, eu diria que a conseqüência das palavras que o Papa dirigiu durante esta viagem a São Paulo e Aparecida, onde foram abordados temas fundamentais, como o da família, da vida e da justiça social. Esses ensinamentos que ele transmitiu durante a sua visita, calaram no coração das pessoas de boa vontade, nas suas consciências e que certamente produziram, de uma forma ou de outra, alguma mudança na mentalidade e no coração das pessoas, que terão efeitos a médio e longo prazo, tanto na vida pessoal e social de nosso país.
E.V. – Dentre muitos assuntos tratados nesta 5ª Conferência, qual teve mais importância para todos os católicos?
R.D. – A 5ª Conferência, realizada em Aparecida, por decisão do Papa, nos deu realmente um motivo de muita alegria e um sentimento em que fomos honrados pelo Papa com essa decisão. Eu diria que o tema fundamental se resume no próprio tema que sua santidade propôs para a Conferência: “Discípulos e missionários de Jesus Cristo para que nele nossos povos tenham vida”. Eu diria que o documento conclusivo da Conferência, que já está publicado e sendo divulgado no Brasil e em toda a América Latina, está construído na missão e na vida.
E.V. – A permanência do Papa no Brasil, especialmente em Aparecida, deve ter deixado algumas considerações ao senhor sobre o povo católico brasileiro, quais seriam?
R.D. – A visão do Papa sobre o Brasil e, de modo particular, sobre o povo brasileiro, foi altamente positiva e alguns dizem até que, o Papa, de certo modo, modificou um pouco no seu modo de se relacionar com as pessoas depois que ele visitou o Brasil e Aparecida, foi um comentário que ouvi de algumas pessoas que sentiram mudança no seu relacionamento com as pessoas em Roma, depois que passou pelo Brasil. Sua Santidade me disse que a decisão que ele tomou de realizar a 5ª Conferência em Aparecida foi uma intuição que ele teve, uma inspiração sobrenatural e ele viu, depois que veio à Aparecida, que esta intuição estava completamente correta, de modo que ele percebeu que havia esse ambiente e uma estrutura adequada para a realização da 5ª Conferência. Ele viu que o povo brasileiro é religioso, acolhedor e tem um calor humano muito grande.
E.V. – Quanto à determinação da Igreja em relação à proibição do aborto e ao casamento de divorciados, o senhor poderia nos esclarecer?
R.D. – A igreja não impõe nada a ninguém, ela propõe a mensagem e a palavra às pessoas, e deixa a todos a liberdade de acolher ou não a sua mensagem. A igreja tem o dever de anunciar a mensagem do evangelho que recebeu de Jesus Cristo e ao qual ela mesma está submetida, e não pode modificar o evangelho, a palavra de Deus. A igreja pode interpretar e atualizá-la, mas sempre se mantendo fiel à palavra. O aborto é um dos pontos que a igreja não pode mudar ou alterar, porque estamos tratando da vida, que é o dom de Deus e sagrado para nós. Um dos mandamentos que Deus deu a Moisés é: “não matar”, de modo que a igreja não pode alterá-lo. O divórcio, a igreja não pode modificar, e no Gênesis está escrito: “O homem deixará pai e mãe e seguirá sua mulher e os dois formarão uma só carne, e aquilo que Deus uniu o homem não separa”. Jesus no Evangelho confirma essa mesma verdade que está no antigo testamento, e a igreja defende a família, a união matrimonial estável e permanente fundada no amor, porque desta união brota a família e ao mesmo tempo os casais podem educar seus filhos e prepará-los para a vida na sociedade, porque é uma instituição divina. Em alguns matrimônios, pode haver alguns elementos que tornam a união nula, fazendo que não tenha existido de fato o casamento, nestes casos a pessoa pode recorrer ao tribunal eclesiástico, para encontrar ali uma defesa sua e aguardar a sentença que poderá ser favorável ao homem ou a mulher que estão se separando, isto é, que na declaração do tribunal não houve casamento e estão livres e que poderão contrair outra união. Caso as pessoas não façam isso, é bom lembrar que a igreja não abandona os casais que se separaram e contraíram uma segunda união e sim, acompanha, ampara e lhes dá toda a possibilidade de continuar a sua vida dentro da igreja e dentro da comunidade, usufruindo os meios de santificação e salvação que a igreja dispõe.
E.V. – O que a igreja está fazendo para recuperar a perda de religiosos para outras religiões?
R.D. – Na 5ª Conferência Geral de Aparecida, o que nós Bispos desejamos é que a igreja seja cada vez mais missionária, ela existe para apregoar o evangelho através das pessoas, é missionária por natureza. A 5ª Conferência insiste que devemos aprofundar e dinamizar esse espírito missionário em nossas paróquias e movimentos, para que nós sejamos parte de uma igreja missionária, transmitindo o evangelho às pessoas, não aguardando que elas venham a nós, mas indo ao encontro daquelas que se afastaram da comunidade por uma ou outra razão, e ao encontro daquelas pessoas que talvez nem sequer ouviram a palavra de Jesus Cristo, ou se ouviram até se esqueceram dela e precisam ouvir novamente essa mensagem. Essa missão não é só do Papa, Bispos, Padres e religiosos, temos que sair de nosso comodismo e convencê-las que vivemos hoje não numa sociedade de cristandade onde todos são católicos e respiram um ambiente religioso e sim, uma sociedade pluralista, marcada pelo materialismo e indiferentismo, onde há diversas propostas religiosas. Numa sociedade como esta, é importante que a igreja e nós vivamos a mensagem do Evangelho com muita alegria.
E.V. – O Santuário de Aparecida é considerado o maior do mundo?
R.D. – No ponto de vista de construção é o maior Santuário do mundo, conheço os grandes santuários Marianos do mundo, Lurdes, Guadalupe e Fátima, e eles não têm esta estrutura que nós temos. Do ponto de vista de romeiros que vêm à Aparecida também e explico porque: Guadalupe no México tem um número maior de romeiros, porque está construído na cidade do México, de modo que há uma visitação permanente ao santuário inclusive da própria população da cidade, ao passo que Aparecida, o visitante se caracteriza como romeiro, um peregrino que vem de fora. Considerando-se que eles se deslocam de longe fazendo a sua peregrinação até chegar ao Santuário, eu diria que Aparecida é o maior Santuário e o mais visitado do mundo.
E.V. – O que o Santuário faz com milhões de peças que chegam através das graças alcançadas, entre elas: jóias, velas, vestidos de noivas, peças de ceras e ortopédicas?
R.D. – Os romeiros trazem lembranças por graças alcançadas ao Santuário, parte delas ficam na sala dos milagres, outras são autorizadas para utilizarmos como bem entendermos, por exemplo: anéis, alianças e cordões de ouro, que às vezes fundimos e criamos outros objetos que são conservados no museu, mas nunca para vendê-los. Outros objetos são doados aos necessitados como: cadeiras de roda, vestidos de noiva, cabelos, etc., enfim, o Santuário tem esta função de ajudar e colaborar com os mais pobres, sem falar nas obras sociais mantidas pelo Santuário, como a Santa Casa de Misericórdia de Aparecida que recebe recurso mensal financeiro e que se não fosse o apoio do Santuário já estaria fechada há muito tempo, sem contar com o curso de formação de músicos adolescentes e a panificadora do Santuário que formam profissionais, os pães fabricados são fornecidos às obras sociais mantidas pelo Santuário.
E.V. – Para encerrar a nossa entrevista, e tenho certeza que foi de profunda importância a todas as pessoas que não conheciam seu trabalho no Santuário, gostaria que enviasse uma mensagem a todos os nossos leitores e católicos.
R.D. – Minha mensagem aos católicos da nossa arquidiocese, província eclesiástica que compreende os cinco municípios – S.J. dos Campos, Taubaté. Lorena, Caraguatatuba e Aparecida, como sede metropolitana desta província eclesiástica – é de que realmente vivam com alegria a sua fé celebrada, proclamada em nossos cultos, em Nosso Senhor Jesus Cristo, e na vida familiar e profissional, porque a fé é realmente aquela luz que nos conduz no nosso caminho de cada dia e que nos dá força para superar as dificuldades e problemas que temos que enfrentar com muita coragem e muita alegria.
Fotos: Nelson Marques
Deixe um comentário
Seu endereço de e-mail não será publicado. campos obrigatórios estão marcados * *