MÉDICOS CONDENADOS POR SALVAR VIDAS

Empresas do Vale março 29, 2024 Nenhum comentário

MÉDICOS CONDENADOS POR SALVAR VIDAS

MÉDICOS CONDENADOS POR SALVAR VIDAS

Nossa história começa no dia 16/12/1986, neste dia, o antigo Hospital Escola da Universidade de Taubaté dá um grande passo na pesquisa cientifica. É efetivado com absoluto sucesso e sem rejeição o primeiro transplante de rim retirado de cadáver. O transplante renal foi realizado pela equipe médica do Hospital Escola da Universidade de Taubaté: Dr. Rui Sacramento Noronha (chefe do serviço de urologia), assistido pelos médicos, Dr. Luiz Tineu (urologista), Dr. José Carlos Natrielli de Almeida (chefe do serviço Cardiovascular), Evandro Panza (cirurgião vascular) e Dr. Pedro Henrique Torrecillas (chefe do serviço de Nefrologia). Na ocasião, o Dr. Pedro Henrique Torrecillas foi quem chefiou a equipe clínica, inclusive assistindo o paciente antes e depois do transplante renal. O paciente transplantado foi o tratorista Jorge Cesar de 53 anos, natural de Lagoinha e trabalhador da Fazenda São João, de propriedade de João Canavezzi, situada no bairro do Pinhão, distrito de Quiririm – SP. O órgão (rim) que recebeu foi de um homem morto em um acidente de trânsito na cidade de Pindamonhangaba e cuja identificação na época foi mantida em sigilo, a pedido da família.

No dia 01/01/1987 – Jorge Cesar recebeu alta, e não fez por menos, no mesmo dia comeu leitoa assada. Antes do transplante, o paciente Jorge Cesar viveu durante oito meses à custa de diálises (filtragem do sangue com cateteres). Com a morte do doador por traumatismo craniano, a operação foi viabilizada. E do ponto de vista médico, o transplante de cadáver é um processo e uma técnica de tratamento a que vêm queimar etapas e aprimorar o tratamento.

O QUE ERA SUCESSO VIRA PROCESSO

No dia 29/03/1987 – Jorge Cesar, o paciente transplantado faleceu no próprio hospital em que fez o transplante. Ele permaneceu vivo após o transplante durante o período de meses, exercendo suas atividades normais. Com a sua morte veio o pesadelo para a equipe médica que realizou o transplante. Entra em cena o médico Dr. Roosevelt de Sá Kalume (chefe do Departamento de Ciências Médicas da UNITAU). Que no dia 18/12/86, havia denunciado ao então reitor da Unitau, Walter Thaumaturgo Junior, que alguns médicos tinham realizado a retirada ilegal de rins de pacientes internados no Hospital Santa Isabel de Clínicas (atual Hospital Regional do Vale do Paraíba). A denúncia feita pelo médico Dr. Kalume foi investigada e rejeitada pelo Conselho Universitário, que inclusive inocentou e homenageou a equipe de transplante do Hospital Universitário (HU). O próprio Conselho Universitário abriu processo contra o Dr. Kalume, que terminou com a sua exoneração. Segundo notícias divulgadas pela mídia na época, as denúncias expressadas pelo médico Dr. Kalume eram por “ciumeira”. O mesmo havia se desentendido com a equipe do Dr. Rui Noronha Sacramento (titular do INAMPS de Taubaté). Alguns anos antes, o Dr. Kalume já tinha sido convidado para participar da equipe de transplantes em Taubaté e, por algum motivo ocorrido acabou não sendo incluído.

Dr. Kalume apresentou uma nova série de denúncias contidas em um relatório médico, contestando as conclusões do Conselho Universitário.

“O Conselho Universitário, órgão maior da universidade, concedeu gratuitamente voto de louvor para atos, sustentados nos bastidores com eutanásia. Para cada rim transplantado, para cada rim enviado para São Paulo, um paciente em estado de coma tem seu fim abreviado”.

Também alegou que o transplante de Jorge Cesar não foi feito de forma correta e acusou a Fundação Universitária de Saúde (FUST), de estar a subvencionar eutanásia em pacientes comatosos em hospitais da região para aquisição de rins transplantáveis que seriam enviados para alguma instituição de São Paulo. Após saber do que estava acontecendo, o reitor (na época) Walter Thaumaturgo Júnior enviou à Câmara dos vereadores de Taubaté um relatório sobre o desenrolar do problema e as atitudes por ele tomadas desde dezembro de 1986. O relatório fazia menção à equipe que realizou o transplante e a cirurgia especificamente feita pela equipe médica. Conforme disse, o reitor Walter Thaumaturgo Junior, o médico Emil Sabbaga, (na época) presidente do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos e professor da Universidade de São Paulo (USP), havia feito um acordo de forma verbal com Dr. Pedro Henrique Torrecillas. Na qual Dr. Torrecillas e Dr. Rui Sacramento Noronha, por terem condições, e operacionais poderiam executar nefrectomias em cadáveres e enviar ao Hospital de Clínicas  da USP para pacientes que estavam na fila de espera do transplante. Em troca, aquele Hospital faria os exames de imunologia para os pacientes de Taubaté, tornando assim possível realizar transplantes em Taubaté. Segundo o reitor, cinco nefrectomias chegaram a ser feitas no Hospital Santa Isabel de Clínicas (HOSIC) e na Santa Casa de Misericórdia de Pindamonhangaba. A ideia na época era aproveitar o fato do HOSIC ser o hospital de referência para casos de traumatismo crânio-encefálico e consolidar uma unidade de retirada de órgãos para transplantes nos casos que evoluíssem para a morte encefálica. Taubaté iria funcionar como um centro de retirada de órgãos e, o sistema de nefrologista como um dos núcleos receptores. Diante destas graves denúncias, as questões dos transplantes de órgãos e eutanásias, começaram a ser examinadas em cinco áreas distintas:

1)     – Ao nível administrativo, a UNITAU abriu um processo interno:

O processo foi julgado pelo Conselho Universitário da UNITAU, formado por mais de vinte professores universitários e que rejeitaram a denúncia e decidiram homenagear a equipe que realizou os transplantes.

2)     – No Conselho Regional de Medicina:

O plenário do Conselho Regional de Medicina rejeitou a denúncia em julgamento, do qual participaram vinte e oito médicos. Entre eles,  vários professores de medicina. Além de inocentarem os médicos acusados, publicou um desagravo público a eles.

3)     – Em área da Polícia Federal:

Inquérito por mau uso de verba pública, conduzido por delegado da Polícia Federal, foi arquivado, após o parecer do Procurador Federal, por não haver sido encontrado irregularidades.

4)     – CPI na Câmara dos Deputados em Brasília:

A CPI incluiu os casos noticiados pela imprensa de Taubaté, nas investigações e arquivou as denúncias, por não terem procedências.

5)     – Inquérito policial aberto na Delegacia de Polícia de Taubaté:

O inquérito policial permaneceu durante dez anos, até ser concluído. Foi então enviado à justiça e transformado no processo que terminou após 25 anos dos fatos. Ao final, sete pessoas leigas, e sem conhecimento médico, decidiram que os pacientes não estavam em morte encefálica e condenaram os médicos por homicídio.

Para viabilizar a cobertura dos custos,  os hospitais em que fossem feitas as nefrectomias receberiam a quantia de Cz$ 5 mil. Porém, a direção do HOSIC optou por não receber esse valor, incluindo os custos nas suas atividades filantrópicas. O que causava uma séria preocupação, era que os prontuários apreendidos pela Polícia Civil, eram extremamente falhos. Segundo os médicos denunciados, porque haviam sidos desfalcados de peças importantes e do ponto de vista da medicina, os prontuários deixavam a desejar. Na época, veículos de imprensa da região publicaram notícias afirmando que as retiradas dos órgãos contrariavam a lei 5.478 de 1968, que exigia a autorização da família e do diretor clínico do hospital onde o paciente foi internado. Porém, no dia 05/04/1987 a Folha de São Paulo publicou um dos termos registrados no Cartório de Notas, que comprovavam a autorização de um dos familiares de cinco doadores para que seus órgãos fossem removidos. Este, assinado no dia 01/11/1986 por Maria do Carmo da Silva, mãe do menor Alex de Lima, que havia sofrido óbito quando pedalava a sua bicicleta. Por sua vez as retiradas de órgãos são realizadas apenas com o consentimento da família e, nunca unilateralmente por decisão de médicos.

Na ocasião, Dr. Pedro Henrique Torrecillas participou de uma coletiva de imprensa promovida pela Sociedade Paulista e Brasileira de Nefrologia e Escola Paulista de Medicina e, durante a coletiva, Dr. Pedro Henrique Torrecillas, negou todas as acusações feitas pela imprensa. Além disso, relatou ter havido conversado com quatro das cinco famílias, que teriam doados os órgãos. E quem articulou com a quinta família foi o Dr. Rui Noronha Sacramento, que disse o seguinte: “Existe muito cuidado de se solicitar a doação de órgãos, principalmente porque a família vive um momento de estresse. Além da conversa com um médico, um assistente social, explica todo o processo a família, sempre acompanhado por um advogado do hospital”. Dr. Rui Noronha Sacramento, ainda negou que tenha induzido as famílias a assinarem papéis em branco, isto também, porque é preciso assinatura de duas testemunhas para o termo de autorização.

Maria do Carmo da Silva, em entrevista para a Folha de São Paulo, confirmou ter assinado vários papeis no hospital. Dr. Pedro Henrique Torrecillas ao mesmo tempo, disse na ocasião, que as questões políticas envolvendo a permanência do médico Dr. Roosevelt de Sá Kalume na UNITAU poderiam ter motivado a denúncia injusta da prática de eutanásia e, venda de órgãos.

No dia 25/06/1988 – o Jornal Correio do Vale publicou em sua primeira página, o sexto transplante de rim realizado no Hospital Escola da Universidade de Taubaté com sucesso. A paciente foi a primeira dama, Maria das Graças Fernandes, esposa do prefeito Luiz Walter Fernandes de Natividade da Serra. A doadora, Maria Jurema Siqueira Campos, 21 anos, que se apresentou espontaneamente para doar seu rim. O transplante foi um sucesso, sendo realizada pelo médico Dr. Pedro Henrique Torrecillas (parte clinica) e Dr. Rui Sacramento Noronha (parte cirúrgica), entre outros profissionais.

No dia 04/08/1988 – o Jornal Vale Paraibano, divulgou o seguinte: “O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, reunido em sessão plenária de 02/08/1988, procedeu ao julgamento do processo disciplinar número 1623-10/87”. “Em face da importância social e a repercussão do presente processo, e após análise dos inúmeros procedimentos médicos nele envolvidos, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) vê-se, no dever de informar, que não restou evidenciada a prática de eutanásia ou a comercialização de órgãos. Sendo a retirada dos órgãos realizada sempre após a constatação da morte encefálica”. 

No dia 11/05/1996 – o Jornal Vale Paraibano publicou o parecer do delegado Roberto Martins, que presidiu o inquérito durante quase dez anos, onde ele descreveu: “Foi o trabalho mais difícil que já realizei devido à complexidade do caso, e por ser um assunto novo na área de Direito Penal. Por isso foi difícil reunir provas”. Outro detalhe dito pelo delegado: “Ainda que, através das declarações, não tive condições de detectar se houve tráfico de rins. No entanto, por meio dos depoimentos e provas anexadas ao inquérito, foi possível verificar que os laudos necroscópicos das vítimas não apresentavam nenhuma informação sobre a retirada de órgãos”. Além disso, ponderou: “Um fato interessante,  a maioria dos familiares das vítimas eram pessoas humildes e de classe média baixa”.

Na época, o Ministro da Saúde Adib Jatene, após sair da posse dos novos diretores do (CBC) – Colégio Brasileiro de Cirurgiões em Guaratinguetá, disse ao Jornal Vale Paraibano, datado do dia 12/05/1996, que novas informações e comentários sobre o caso dos rins poderiam prejudicar as doações e transplantes no País. E não acreditava que o caso dos rins de Taubaté fizesse parte do tráfico de órgãos mencionado pela imprensa em 1987. E que ele não acreditava que os médicos tinham feito às retiradas proposital ou criminosamente dos órgãos e, acrescentou: se o (CRM) – Conselho Regional de Medicina não tomou nenhuma atitude, é porque os que cuidaram do fato chegaram à conclusão de que o processo deveria ser arquivado.

No dia 29/05/1996 – foi publicado nos Jornais Vale Paraibano e Folha de São Paulo, texto onde se delineava que o juiz da 1ª Vara Criminal de Taubaté, Luiz Felipe Nogueira, havia acolhido a denúncia oferecida pelo Ministério Público, onde o médico Dr. Roosevelt de Sá Kalume acusou os cinco médicos.

No dia 11/07/1996 – o Vale Paraibano e Diário de Taubaté publicaram a notícia de que os médicos começavam a prestar depoimentos no Fórum de Taubaté. Os trabalhos deram início às 14h30, quando o médico Dr. Rui Sacramento Noronha começou a depor, durando aproximadamente 4 horas. Conforme salientou o advogado de defesa Romeu Goffi Junior, toda a acusação foi baseada em prontuários incompletos e foram manipulados pelo Dr. Roosevelt de Sá Kalume.  Após o depoimento, Dr. Rui Sacramento Noronha, desabafou para a imprensa, afirmando que relatou os fatos como realmente aconteceram: “As retiradas dos órgãos dos pacientes só foram feitas após a autorização das famílias e a constatação da morte encefálica.

Outro detalhe, as acusações do Dr. Roosevelt de Sá Kalume foram impetradas por motivos pessoais. No ano de 1980, ele foi convidado por nossa equipe médica para participar do projeto, que criaria um departamento de transplantes de órgãos. Por desentendimento, ele não fez parte da equipe. “Acredito que ele se sentiu prejudicado e, na primeira oportunidade, procurou denunciar o caso”. “Foi uma afronta à inteligência de toda a equipe médica que participou dos casos na época, que nós mesmos afirmaríamos nos prontuários que havíamos cometidos a eutanásia nos pacientes e logo em seguida a retirada dos órgãos”.

No dia seguinte foram ouvidos os médicos: Dr. Mariano Fiore, Dr. Pedro Henrique Torrecillas e Dr. José Carlos Natrielli de Almeida.

No dia 31/03/1998, o Jornal Vale Paraibano publica a notícia em que o Dr. Roosevelt de Sá Kalume, autor da acusação de eutanásia e tráfico de órgãos, contra a equipe médica é ouvido pela justiça. Segundo Dr. Roosevelt de Sá Kalume, as vítimas sofreram nefrectomia (operação da retirada dos órgãos) antes da confirmação de óbito. E ratificando ao juiz da 1ª Vara de Taubaté Flávio de Oliveira César, todas as denúncias e, afirmou que através dos prontuários médicos ficou constatado, que o estado de saúde dos pacientes não era irreversível e, que os rins teriam sidos comercializados com hospitais em São Paulo.

 

OS QUATRO DIAS DE JULGAMENTO

Após 25 anos, tem início no dia 17/10/11 o julgamento dos médicos envolvidos no “Caso Kalume”. A primeira pessoa a ser ouvida é a médica Gilzélia Fernandes Batista, que no período no qual o médico Dr. Roosevelt Sá Kalume denunciou a prática de extração de órgãos era responsável pelo departamento que armazenava os prontuários do hospital onde faleceram as pessoas citadas no processo. A mesma disse que não houve sumiço de documentos e, que não tinha conhecimento de alterações nos prontuários. Ela explicou que devido à repercussão do caso, guardou os prontuários em um cofre de materiais radioativos, no subsolo do hospital, onde funcionava o serviço de radioterapia. Contudo, não soube explicar, como os prontuários enviados pelo Dr. Kalume ao CRM, não continham as rubricas nas páginas, ao contrário dos prontuários que foram aprendidos em sua sala.

A enfermeira Rita Maria Pereira confirmou ter presenciado a retirada dos rins do paciente José Faria Carneiro e, em seguida, foram colocados em uma  caixa. E logo depois desse procedimento, o médico Dr. Pedro Henrique Torrecillas teria usado um bisturi para cortar o peito de José Faria Carneiro, enquanto o paciente se debatia na tentativa de levantar da maca. Essa afirmação foi desmentida por outras duas testemunhas e, quando acareada com uma delas, disse não se lembrar direito de qual caso se tratava, esquivando-se de explicações. O médico Dr. Roosevelt Sá Kalume, denunciante do caso, inicia às 14h45 o seu testemunho perante o juiz do Tribunal do Júri, Marco Antonio Montemor. Dr. Roosevelt Sá Kalume, relatou que os órgãos retirados dos pacientes eram levados para São Paulo pela Polícia Rodoviária Federal, conforme lhe foi informado pelo médico Antônio Aurélio de Carvalho Monteiro, que faleceu em maio de 2011.

O EMBATE

O terceiro dia do julgamento foi marcado pelo embate entre o promotor Mário Friggi e a defesa dos médicos. Friggi argumentou que havia em Taubaté um centro captador de rins e não um programa de transplantes, usado por hospitais particulares e intermediado pelo médico Emil Sabagga, um dos pioneiros de transplantes renais na América Latina. O equivalente à cerca de R$ 35 mil teria sido pago por um paciente ao hospital por um transplante. O promotor criticou o sistema brasileiro, que levou dez anos para encerrar o inquérito policial, e ironizou o fato de os réus negarem os fatos. “Não aconteceu nada aqui em Taubaté. Está tudo certo”, disse Friggi.

Ao se dirigir aos jurados, o promotor deu o tom do que foi a sua tese de acusação. Ele quis desqualificar a tentativa da defesa de apontar que a denúncia de Kalume tenha sido feita por ciúme e pela disputa de poder. “Será que tudo o que aconteceu aqui, toda a repercussão na mídia, foi apenas porque o Dr. Kalume queria execrar publicamente essas pessoas?”, indagou. Entretanto, não conseguiu apresentar nenhuma prova, de que os pacientes não estavam em morte encefálica. Na verdade, acusou um hospital de São Paulo, de cobrar pelo transplante, fato este, que não tem ligação nenhuma com a acusação de homicídio.

OS RÉUS

Dr. Mariano Fiore Junior afirmou ter falado várias vezes à polícia sobre o sumiço de documento do prontuário dos pacientes. “O delegado prevaricou?”, disse o promotor. Fiori respondeu que essa era uma palavra “muito forte”. Após ter prestado depoimento, na segunda, Kalume foi internado no Hospital Regional, em Taubaté, onde foi submetido a um cateterismo, tendo alta após dois dias.  

A SENTENÇA 

Após mais de 40 horas de julgamento no Fórum de Taubaté, interior de São Paulo, o juri, formado por quatro mulheres e três homens, estava reunido na sala secreta para responder as 60 perguntas formuladas pela promotoria e pela defesa, sendo questionadas 20 para cada um dos réus.

Após a decisão do jurado, o juiz Marco Montemor redigiu e leu a sentença:  “os médicos, Rui Sacramento Noronha, Mariano Fiore Júnior e Pedro Henrique Torrecillas, foram condenados a cumprir a pena de 17 anos e seis meses de  reclusão, inicialmente em regime fechado. Porém, por serem réus primários, poderão recorrer da decisão em liberdade”.

Dez dias após serem condenados, os três médicos voltaram à rotina normal, Mariano Fiore Júnior voltou a lecionar na Universidade de Taubaté (UNITAU) as disciplinas de medicina legal e saúde coletiva para os alunos do curso de medicina.  Pedro Torrecilas continua atendendo como plantonista em um hospital particular no município e Rui Noronha Sacramento permanece exercendo a profissão em sua clínica particular de urologia na cidade de Taubaté. Já o autor das denúncias, o médico Dr. Roosevelt Kalume, que após prestar depoimento chegou a ser internado com o quadro de taquicardia, proferiu sentir-se aliviado com a condenação. “Provei que não estava mentindo sobre o assunto”.

MORTE ENCEFÁLICA

Um dos capítulos centrados que mais preocupam a humanidade, é certamente o que faz referência à vida e a morte. Filosófica e religiosamente, a definição de início da vida é controversa; o momento da morte, ao contrário, é praticamente unânime entre as mais variadas correntes religiosas como sendo aquele em que o cérebro deixa de funcionar. Do mesmo modo, a comunidade religiosa determinou a quem cabe decidir quando uma pessoa está morta: ao médico. Estas foram algumas das fortes razões, ao lado de outras, de caráter cientifico e legal, que fizeram com que os critérios para estabelecer de conceitos de morte passassem a ser realizados por médicos.

Tradicionalmente, a morte foi considerada como preenchendo os conceitos da tanatologia que centram a questão na parada dos batimentos cardíacos. Com a importância cada vez maior dada ao cérebro como comandante das funções corporais, foi sendo progressivamente estabelecida a relação entre sua capacidade funcional e o conceito de morte.

A ciência, a medicina em particular, é evidentemente mutável e sujeita a fatores nem sempre previsíveis; contudo, os critérios de morte encefálica são plenamente confiáveis. Essa metodologia é precisa quando é determinado que uma pessoa esteja em morta encefálica, ela de fato está morta. No futuro, será que os critérios de morte encefálica serão modificados? O diagnóstico da morte encefálica é clínico, feito por exame realizado por médico. O denunciante, Dr. Kalume, nunca examinou nenhum dos pacientes que citou na denúncia. Por outro lado, todos os médicos que tiveram contato com os pacientes declararam que estavam em morte encefálica.

Foram realizados na época, cerca de dez outros transplantes renais, em pacientes carentes, pagos pelo SUS ou por plano de saúde. Nos transplantes realizados pela equipe em Taubaté, nenhum paciente pagou nada.

(*) NA PRÓXIMA EDIÇÃO ESTAREMOS MOSTRANDO  DEPOIMENTOS DE FAMILIARES QUE AUTORIZARAM A RETIRADA DOS ÓRGÃOS E DAS QUE TIVERAM PESSOAS TRANSPLANTADAS.

Tags :