O EX-ÁRBITRO DE FUTEBOL JOSÉ ASTOLPHI FALA SOBRE A CORRUPÇÃO NO FUTEBOL PAULISTA NA DÉCADA DE 1960.
Empresas do Vale maio 27, 2019 Nenhum comentário
O EX-ÁRBITRO DE FUTEBOL JOSÉ ASTOLPHI FALA SOBRE A CORRUPÇÃO NO FUTEBOL PAULISTA NA DÉCADA DE 1960, QUANDO ERA JUIZ DE FUTEBOL
Matéria publicada na edição nº 59, periodicidade agosto / setembro / 2014
Por: José Carlos Reis de Souza
Diretor, editor e jornalista da Revista Empresas do Vale – Negócios & Turismo
Para quem ainda lembra, na edição da “REVISTA o CRUZEIRO” datada de 07/12/1968, foi publicada uma matéria de nove páginas, onde o ex-árbitro de futebol José Astolphi conta histórias de corrupção mantida entre os cartolas da época. Corrupção no futebol não é apenas um negócio, é também muito complexo, pois envolvem questões de ordem social, pessoal, técnica, profissional, eleitoral, econômica e financeira. Ela destrói e afronta todos os princípios morais tidos como validos em todos os tempos. Transforma técnicos e profissionais em fantoches, eleitores em instrumentos e a sociedade em vitima traída e espezinhada. Acima de todo este processo de degeneração, pairam os interesses escusos de diversos salafrários que buscam enriquecer a custa das fraquezas de uns e da boa fé de outros. Nada há que impeça essa marcha desregrada de imorais. As denuncias acumulam-se, os honestos lutam, a imprensa esclarece, o povo ludibriado e os órgãos administrativos e judiciários da Federação Paulista de Futebol continuam ativos, os primeiros na consecução dos seus abomináveis objetivos e coniventes com os descalabros. Outros, arquivando denuncias e fazendo ouvidos surdos e vista grossa à luta moralizadora da imprensa. Os elementos da cúpula da corrupção fazem alarde mentiroso de uma lisura que não existem entre eles, chamam de “cabeluda” a imprensa honesta, compra tudo e todos aqueles que possam servir aos seus interesses, lançam elementos insidiosos junto a grupos coesos na luta contra eles e, aos poucos, vão se infiltrando em todos os setores humanos, lançando a semente da duvida, da pouca vergonha e do arreglo. Fazem “médias” com todos, desde que isso possa engrossar suas fileiras, na ânsia de denigrir um esporte popular, simpático, útil e âmbito internacional. Quem disse isso? Foi José Astolphi, ex-árbitro de futebol paulista. Segundo ele, a corrupção no futebol paulista, na época tinha várias feições.
ENTREVISTA
Antes de dar o pontapé inicial da Copa Rotary, tivemos a oportunidade de conversar com José Astolphi, e saber um pouco sobre o escândalo da corrupção e suborno no Campeonato Paulista na década de 1968.
José Astolphi, nascido na cidade de Birigui (SP), no dia 10/04/1950, começou a vida desportiva como jogador de futebol, mas uma contusão no joelho durante um treino pelo Linense acabou com o seu sonho. Passou a apitar partidas de futebol e basquetebol na cidade natal, até que em 1958 dirigiu sua primeira partida com o emblema da Liga Araçatubense de Futebol. Foi árbitro da Federação Paulista de Futebol entre 1960 e 1968. De 1969 a 1971, arbitrou no quadro da Federação Mineira. Durante a década de 1960, criou a primeira associação de árbitros do Brasil. Em 1972, a convite do então presidente da Federação Paulista de Futebol José Ermírio de Moraes, assumiu a chefia da Comissão de arbitragem da Federação. Em 1981, criou o SAFESP – Sindicato dos Árbitros do Estado de São Paulo. Aposentado, e paralelamente, dirige a CUEBLA – Associação Cidade Unida pelo Esporte de Bases e Ligas Amadoras, sem fins lucrativos, que organiza diversos campeonatos envolvendo adolescentes da prefeitura de São Paulo e o governo paulista.
E.V. – Como funcionava na sua época a corrupção no futebol paulista?
Astolphi – A corrupção tinha ou ainda tem quatro tentáculos: pessoal, técnica, profissional, eleitoral, política, social eeconômica e financeira.
E.V. – Gostaríamos de conhecer como funcionava acorrupção pessoal?
Astolphi – Dentre os múltiplos elementos constitutivos do “complexo-futebol”, há que se considerar a figura do representante da Federação Paulista de Futebol, elemento de confiança da presidência. São suas atribuições, dentre outras, observar o trabalho do árbitro e seus auxiliares quanto a parte técnica, dando-lhes cobertura, sentindo de que a partida transcorra tranquilamente, ou seja, garantir a segurança mediante presença da policia e ausência de pessoas alheias à realização da partida propriamente dita. Essa função foi desvirtuada completamente. Hoje o representante, com raríssimas e honrosas exceções, são corrompidos pelo meio. Serve mais como elemento de ligação entre o clube e o arbitro já subornado ou a ser subornado, a fim de que os “figurões” não apareçam como corruptores. Em 1968, em jogo da Primeira Divisão de Profissionais, entre São Carlos e Francana, o delegado da presidência, Flávio Faruolli, elemento ligado ao ex-árbitro João Etzel, afastado da FPF em 1963 por comprovada participação nos casos de suborno, acetou a “negociata”, vendendo o árbitro Dulcidio Walderley Broschilla, por 5 milhões de cruzeiros velhos ao francana, que venceu o seu adversário por 2 a 1. O árbitro só tomou conhecimento da transação feita em seu nome, porque o motorista Rogélio Rodrigues da FPF, revoltado por não ter participado do “negócio” denunciou o fato na presença do locutor Joseval Peixoto (Rádio Panamericana) e do diretor do Departamento de Árbitros. Casos de corrupção pessoal na pessoa do representante são múltiplas, e apresentam-se sob diversas modalidades. O suborno pode ser feito com o desconhecimento do juiz, outros em que o próprio juiz solicita ao representante que realize o “negócio”. Outro exemplo: O representante Rubens Felício, em jogo realizado na cidade de São Manoel, entre a equipe local e a de Paraguaçu Paulista, “vendeu” o árbitro José Bezerra de Menezes por 250,00 cruzeiros novos, em 1965, com o consentimento do mesmo.
E.V. – Vamos saber um pouco da corrupção técnica?
Astolphi – Embora, a situação já tenha melhorado em 80% com o fluxo de jovens imbuídos de boa vontade e com formação moral inatacável nas fileiras de arbitragem, a corrupção técnica ainda se verifica especialmente nas cidades do interior. O jovem ingressava na Escola de Árbitros com a intenção de projetar-se socialmente e conseguir um melhor lugar, graças a maiores salários, podendo viver bem e sem grandes problemas de ordem econômica. Iniciada a luta, percebia que, caso não se sujeita a certas exigências dos clubes e não aceitasse determinadas imposições dos diretores, estaria liquidanda a sua carreira, ou então continuaria sempre a dirigir partidas em locais onde não havia segurança que o salvaguardasse e aos seus auxiliares dos ataques das torcidas enfurecidas e propositalmente manuseada pelos interessados. Seu fim, quase sempre, era acomodar-se à situação, deixando-se envolver pela corrupção. A partir de então, como os demais, teria as portas abertas para o progresso dentro da carreira. Foram vitimas dessa trama os árbitros: Romualdo Arpi Filho; Olten Aires de Abreu; Catão Montez Júnior; Elias Assad Simão; José Bezerra de Menezes e outros de menor projeção.
E.V. – O mais interessante de tudo, é que também existia ou ainda existe a corrupção profissional, você pode nos explicar como tinham êxitos os corruptos? Astolphi – A corrupção profissional reveste-se de múltiplos aspectos deste tipo de corrupção, pela diversidade de funções dos elementos que militam, direta ou indiretamente, no futebol. Assim, temos: em uma entrevista publicada em A Gazeta Esportiva, em 1964, o ex-árbitro João Etzel Filho, declarou que era o chefe da gang da corrupção em São Paulo e que “roubava” para poder estar de bem com os elementos da cúpula futebolística. Nesta entrevista, denunciou o jogador Domingos da Guia, do Sport Club Corinthians, de ter vendido para o São Paulo Futebol Clube, em partida decisiva pelo titulo paulista, da qual João Etzel Filho foi árbitro. O São Paulo, na época a que se referiu o entrevistado – 1946 foi campeão. Esse é um caso de corrupção profissional de jogador. Em 1968, o jornalista Vital Battaglia, referindo-se ao Dr. Paulo Machado de Carvalho, em um programa de televisão, afirmava estar o referido senhor “superado para a chefia do selecionado brasileiro”. Imediatamente, o jornalista foi despedido da organizaçãoda qual o Sr. Paulo Machado de Carvalho era um dos diretores. O mesmo ocorreu com o radialista Tom Barbosa, por ter tomado depoimento do árbitro José Batista dos Santos, que contou algumas das “bandalheiras” existentes na FPF. Como ambos não se sujeitaram a imposições do “Grande Senhor”, perderam seus empregos.
E.V. – E a corrupção eleitoral, como funcionava?
Astolphi – Na época, a corrupção alcançou em São Paulo, o terreno eleitoral, associando fanáticos em torno de um ou mais nomes do interior do Estado, que desejavam ver o seu clube figurando entre os grandes do futebol na “Divisão Especial”. O mentor deste tipo de corrupção foi especificamente o deputado João Mendonça Falcão, que usava e abusava de sua imunidade de presidente da FPF, contando com todo um grupo especializado no assunto e inteiramente à sua disposição para agir em todos os recantos. Com este esquema, conseguiram amealhar eleitores que, legislatura após legislatura lhe garantiu as prerrogativas políticas de imunidades parlamentares. Assim foi que, em eleições anteriores, o processo funcionou mais ou menos assim: Em 1945, como candidato do Partido Comunista Brasileiro, conseguiu 3.083 votos, ficando como 13º suplente, graças ao apoio que recebeu entre o operariado da Capital (era então mecânico): em 1950, apoiado por Adhemar de Barros, conseguiu 7.500 votos, todos na capital, tendo sido, na ocasião, muito perseguido pelo DOPS (Departamento de Ordem Social Política e Social); continuando em sua trajetória oportunista; Em 1954, com Jânio Quadros e já ligado ao futebol, conseguiu 2.180 votos no interior e o restante ainda com operários da Capital; em 1958, já como presidente da FPF, obteve 10.809 votos, dos quais 7.250 no interior, conseguidos mediante a promessa a clubes de promoção para divisões superiores.
E.V. – Também a corrupção corria solta na política?
Astolphi – O deputado Mendonça Falcão, um homem sem escrúpulos, conseguiu inclusive enredar o Governador de São Paulo Roberto Costa de Abreu Sodré (1968), nas malhas de sua malfadada rede de corrupção, só não conseguindo seus intentos por ter sido sua Excelência, o Governador, alertado por companheiros, e também pelo Secretário de Estado dos Negócios da Educação. Devido à designação de Romualdo Arpi Filho e Olten Aires de Abreu para a arbitragem no “Robertão”, surgindo um movimento de demissão coletiva do Departamento de Árbitros, por partes dos árbitros novos. A imprensa paulista movimentou opinião pública, esclarecendo-a a respeito dos “malabarismos” de Mendonça Falcão. Os fatos e a repressão irritaram o senhor presidente, que não titubeou em conseguir do senhor Governador um decreto (Diário Oficial de 28/08/1968), afastando-me das atividades profissionais que exercia junto ao Departamento de Educação como professor comissionado. O Secretário da Educação, colocado a par dos acontecimentos, por dois diretores do Departamento de Educação (Administrativo e Geral), imediatamente comunicou o Governador a gravidade do assunto e, em 04/09/1968, outro decreto do Governador, revogava o anterior.
E.V. – E com relação à corrupção econômica e financeira, qual era o esquema?
Astolphi – O movimento financeiro do futebol paulista funcionava na época de tal modo, que os clubes estavam sempre em dificuldades e dependiam constantemente das boas graças da FPF, já que está se encontrava sempre rica, ao contrário do que acontecia e acontece com os clubes. Exemplo: no Campeonato Paulista de 1968 arrecadou-se 3.548.328 cruzeiros novos, sendo que só a FPF levou mais de NCR$ 700.000,00, acordado esclarecer que a arrecadação de 3 milhões de cruzeiros novos é bruta e, a parte correspondente à FPF é liquida. Nem mesmo o Sport Club Corinthians, que foi o clube que mais arrecadou, conseguiu alcançar tal índice, pois lhe coube cerca de NC$ 650.000,00 para cobertura de todas as despesas. Só nessa primeira parte do ano, a FPF teve um superávit de NC$ 328.556,00.
E.V. – Também existia ou ainda existe a corrupção social?
Astolphi – A Corrupção também atinge todas as camadas sociais interessadas em futebol. Tanto é, que na época as evasões de torcedores dos estádios era alarmante, pois a população já não estava mais interessado em pagar para ver palhaçada dos representantes; árbitros; dirigentes de clubes; jogadores e outros elementos venais a serviço de uma meia dúzia de “cartolas” que usufruíam da boa fé dos torcedores.
E.V. – E com relação ao suborno, como funcionava?
Astolphi – O suborno constitui-se em capitulo à parte. Suas consequências é que trazem quase sempre, ao conhecimento do público, a sua existência.
E.V. – Como você via o Tribunal de Justiça Desportiva, na época?
Astolphi – O tribunal de Justiça Desportiva da FPF é um órgão que, praticamente não existia, pelo menos na época para desempenhar das funções que lhes eram atribuídas. Existia sim, para acomodar e acobertar situações que poderiam por em descrédito a pessoa do presidente da FPF ou qualquer outro dirigente. Sempre agiram com parcialidade, fomentado pela comissão. A corrupção no futebol paulista, não punia devidamente os culpados e nem averiguava a procedência ou não das denúncias, que muitas vezes, lhe chegaram às mãos. Posso citar alguns fatos que foram levados à Justiça Desportiva e que não foram apurados. Foram julgados com parcialidade ou sumariamente arquivados:
1 – Em 1964, o dirigente da Votuporanguense Naser Marão, tentou subornar-me por um milhão de cruzeiros velhos, quando fui a Votuporanga apita rum jogo da Primeira Divisão. Denunciei o fato ao Tribunal, que chamou o diretor para confirmar ou não a denúncia. O dirigente confirmou e foi apenas advertido por escrito. Morreu nisso o fato.
2 – Em 1968, no jogo XV de Piracicaba x Bragantino, decidindo o titulo da Primeira Divisão no Pacaembu, o dirigente do Bragantino, Jesus Chedid, acusou o árbitro Romualdo Arpi Filho de lhe ter solicitado a quantia de 30 milhões de cruzeiros velhos para favorecer o seu time. Na mesma ocasião, o citado dirigente disse que, antes “comprara” Romualdo por quatro vezes. Mesmo com encaminhamento da denúncia ao Tribunal, o processo foi arquivado.
3 – No jogo São Carlos x Francana da Primeira Divisão, João Etzel e o representante Flávio Faruolli, “venderam”, por cinco milhões de cruzeiros velhos, o árbitro Dulcídio Wanderley Broschilla. O caso foi arquivado pelo Tribunal, mesmo tendo como testemunhas, Joseval Peixoto (Rádio Panamericana), e Rogélio Rodrigues, diretor do Departamento de Árbitros. Estes são alguns de uma lista, que não daria espaço para colocar, de tanta podridão existente na época.
4 – Em 1964, o jogador Lever, da Esportiva de Guaratinguetá, a mando dos dirigentes do seu clube, procurou-me para que eu “torcesse” o resultado do jogo Juventus x Noroeste, para favorecer a Esportiva de Guaratinguetá. No Tribunal e na Justiça Desportiva, Lever confirmou e, mesmo assim o processo foi arquivado, porque a Esportiva foi rebaixada.
Enfim, são inúmeras as denúncias, que ficaria aqui descrevendo por horas.
E.V. – Você tem muitas cartas comprovando a venalidade de juízes?
Astolphi – Dentre muitas cartas recebidas, uma delas que recebi no dia 12/09/1967, enviada por Danglares Narciso Gomes, que era diretor de futebol profissional do Guarani de Campinas, da Divisão Especial. Entre outras coisas, a carta continha o seguinte texto: “Para que você arquive nos seus anais: vencerá o Juventus a partida que terá de disputar com o Guarani. Isto Graças à arbitragem de Romualdo Arpi Filho, mais conhecido por ROBUALDO, o venal. Este árbitro será indicado por Pedro Fischetti, que é o chefe da quadrilha”. O Juventus precisava vencer o Guarani para se manter na Divisão Especial e, o dirigente já previa a derrota de seu time: No dia 20/12/67, recebi outra carta de Danglares, já como ex-diretor do Guarani, pois havia pedido demissão do cargo: “Caro Astolphi: lembra-se das minhas previsões no jogo Guarani x Juventus”? O árbitro foi Romualdo Arpi Filho, que disse as seguintes palavras antes de entrar em campo: O Guarani será liquidado nos primeiros minutos. Aos dois minutos, Romualdo inventou um pênalti contra o Guarani, facilitando a vitória do Juventus. Ele foi indicado por Pedro Fischetti; o resultado só poderia ser a derrota do Guarani.
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